Jeremias 14, 8 diz “Ó
esperança de Israel, e Redentor seu no tempo da angústia, por que serias como
um estrangeiro na terra e como o viandante que se retira a passar a noite?”.
Uma vez me foi perguntado por um cristão o significado da expressão “Esperança
de Israel, o Redentor no tempo de angústia”. Eu respondi: o profeta aqui
dirigiu-se ao Todo-Poderoso, como no capítulo 17,13: “Ó Senhor, a Esperança de
Israel, todos os que te abandonarem serão envergonhados”. O próprio Deus é o
Salvador de Israel no tempo de angústia e não há outro Salvador além Dele. Veja
também Oséias capítulo 13, 4: “E não há Salvador além de mim”. Meu interrogador
disse, então: “Você deve ter em mente que o profeta, falando sobre este
Salvador, diz: “por que serias como um estrangeiro na terra e como o viandante
que se retira a passar a noite?” Isso não te parece afirmar que o divino Salvador
habitaria como um estranho na terra, como nosso Salvador Jesus realmente fez?
Por que então você retira dele sua crença depois que o profeta dá seu
testemunho sobre ele?”. Eu respondi a isto: “Vocês cristãos estão acostumados a
estabelecer suas objeções à nossa fé e as bases de sua fé em passagens bíblicas
destacadas, sem levar em conta a ideia principal e as palavras precedentes e
subsequentes do texto. Vocês também não fazem comparações imparciais com as
declarações paralelas de outros profetas, pois o seu objetivo não é expor a
verdade absoluta, mas confirmar, por meio de sutilezas e raciocínios ilusórios,
suas noções preconcebidas!”.
O verdadeiro objetivo
de Jeremias pode ser encontrado na leitura das passagens próximas. Jeremias teve
uma presciência da fome que estava para acontecer na Terra Santa (veja o começo
do capítulo 14), quando ele viu que a severidade da escassez excederia todos os
limites, e que a consternação de Jerusalém seria um verdadeiro clamor ao céu.
Quando o profeta percebeu que a calamidade seria tão universal que os próprios
brutos do campo sofreriam sob seu flagelo, ele registrou as palavras [Jeremias
14, 7]: “Se nossas iniquidades derem testemunho contra nós, ó Senhor, então,
trata-nos segundo o teu nome”. Com isso ele declarou que o problema não havia
chegado ao nosso povo por acaso, mas como consequência de nossas más ações,
porque a fome não prevaleceu em nenhum outro lugar, exceto na terra de Israel. Consequentemente,
ele implorou ao Todo-Poderoso para conceder alívio por causa de Seu Santo Nome.
Por Sua unidade suprema ser proclamada por nossa nação, é chamado “o Deus de
Israel”, enquanto nós somos denominados “Seu povo e o rebanho de seu pasto”.
Quando Ele nos castiga, Ele age de acordo com a justiça, uma vez que nossas
negligências são numerosas e uma vez que frequentemente nos desviamos em
direção à idolatria, à perpetração da violência e à escuta dos falsos profetas.
Jeremias, tendo feito assim a confissão de nossos pecados, exclama, por meio de
súplica: “Tu esperança de Israel e seu Salvador no tempo de angústia!”. O
profeta declara que, embora tenham se apartado de Tuas trajetórias, eles (os
israelitas) ainda esperam que Tu (Deus) os salve da aflição presente, e do
mesmo modo como Tu, Deus, os livraste em todas as gerações, assim também tem
misericórdia de agora do povo de Israel, e não permitir que eles sejam
consumidos pela fome. Então o profeta continua: “Por que serás como um
estrangeiro e como um viajante que se desviou para passar a noite”. Com isto
temos que entender “Tu, Senhor, Te esconderás de nós e não terás compaixão de
nós? Parecerá que não foste o Senhor da Terra, mas como se fosses estranho em
um país estrangeiro, sem poder nos livrar de adversidades”. De maneira
semelhante, disse Moisés (Números 14, 15-16): “E se tu matares todo o povo como
um homem, então as nações que ouviram a tua fama dirão: Porque o Senhor não
tinha o poder de trazer este povo” etc. Assim ora também o salmista: “Levanta-te!
Por que dormes, ó Senhor? Desperta! Não nos abandone para sempre!”. Em outras
palavras, “permita que não pareça como se o Senhor estivesse desatento a nossa
miséria e a nossa aflição”. De fato, todos os profetas se dirigem ao
Todo-Poderoso de uma maneira antropomórfica, a fim de transmitir suas ideias de
maneira mais inteligível.
A
razão pela qual Jeremias compara o Todo-Poderoso com um estranho é tríplice: 1)
Um estrangeiro em outra terra é incapaz de resgatar o oprimido da mão do
opressor ou o pobre e o necessitado das mãos do depredador, pois embora
estranhos ou viajantes sejam de alto nível, sua autoridade é muito
insignificante, quando em uma terra estrangeira, para oferecer assistência aos
que os rodeiam. Assim, os sodomitas disseram sobre Ló: “Este homem veio morar
aqui como um estranho, e agora ele será um juiz!”. 2) Ainda que um homem estrangeiro
torne-se estabelecido em uma terra, ele pode ser incapaz de dar assistência em
tempos difíceis, se for privado da necessária influência e presença de
espírito. Desconcertado com sua própria segurança, ele está totalmente
incapacitado para libertar os outros de seu estado infeliz. 3) O estrangeiro só
pode lidar com aqueles que lhe são inferiores em coragem e força, mas quando se
depara com uma força superior, ele desiste ou se submete. Por isso, o profeta
diz: “Por que serás como um poderoso que não pode salvar?”.
No entanto, ao mesmo tempo, para ensinar que tal condição é totalmente incompatível com a natureza divina do Todo-Poderoso, e para mostrar que o Todo-Poderoso é realmente o Deus dos céus e da terra e que ao mesmo tempo habita entre nós, o profeta, por meio do acréscimo “Mas Tu estás entre nós” refuta a imputação de que o Deus de Israel é um estranho e prova que Ele está estabelecido onde nós estamos, e que nós somos os estranhos e não Ele. Temos, portanto, a esperança de que Ele nos salvará. A declaração “Tu estás no meio de nós” está em oposição à pergunta “serás como um homem estrangeiro?”. O profeta sugere que o Todo-Poderoso, longe de ficar perplexo com a velocidade de ocorrências terríveis, se manifesta como um libertador incomparável e onipotente. Da mesma maneira, vemos nas palavras “E estás entre nós” um repúdio à ideia de que “Tu és como um homem forte que não pode livrar”, quando resistido por uma força superior. O profeta agora reconhece: “e nós somos chamados pelo teu nome; não nos desampares”. Tu nos tiraste da terra do Egito com uma mão forte e com um braço estendido!
As
próprias palavras do Decálogo conectam a unidade divina com a libertação do
Egito, uma vez que é dito: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirou da terra do
Egito”. É um fato notório que a Escritura em vários lugares aponta a
condescendência de Deus, que aliou Seu nome com Israel, salvando nossos povo de
vários problemas. Veja, por exemplo, Levítico 22, 33: “Quem vos tirou do Egito
para ser um Deus”. Quando os súditos do rei Ezequias foram resgatados da mão de
Senaqueribe, rei da Assíria, o Todo-Poderoso também foi reconhecido como Deus
de Israel. Veja II Reis 19, 20: “Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Visto
que tu me pediste a respeito de Senaqueribe, rei da Assíria, eu te ouvi”. A
oração aqui aludida foi recebida favoravelmente, porque expressava submissão
incondicional ao Todo-poderoso Ser que governa sozinho os destinos de Suas
criaturas. Outras menções à fé de Israel na salvação pelo Senhor podem ser
obtidas em Deuteronômio 3,24, onde lemos “pois, que Deus há nos céus e na
terra, que possa fazer segundo as tuas obras, e segundo os teus grandes feitos?”.
Isaías diz (capítulo 45,15): “Verdadeiramente Tu és um Deus invisível, o Deus
de Israel e seu Salvador”. Jeremias 3,23 diz: “Em verdade, o Senhor nosso Deus
é a salvação de Israel; nossa confiança, pois nossa confiança está em Ti”.
Assim entendemos a citação de Jeremias que foi colocada no cabeçalho deste
capítulo, e que é totalmente mal aplicada pelos cristãos, apenas por mencionar “um
estranho na terra”.
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